Semana
Machado de Assis é a semana em que presto uma homenagem a um dos grandes autores
brasileiros conhecido por sua narrativa única, escrita exímia, crítica à
burguesia e à sociedade de maneira geral, a ironia, o uso da metalinguagem,
ambiguidade, linguagem rebuscada, o diálogo direto com o leitor entre muitos.
Marcada
pela época Naturalista e Realista, aliás sua obra Memória Póstumas de Brás Cubas
com princípios objetivos e clareza de ideias. Ele não se prende as escolas literárias
ele transita entre ela, no conto da Missa, Machado traz contradições entre a
fidelidade e o adultério, a fé e o profano, o desejo e o desapego, o sensual e
o ingênuo.
É
importante também ressaltar o tempo psicológico do cronológico a narração se dá
em primeira pessoa, a segunda personagem é bem típica do universo Machadiano
com misto de confusão e segredos neste conto, tida como “santa”.
Trecho do conto:
“MISSA DO GALO.
NUNCA PUDE entender a
conversação que tive com uma senhora, há muitos anos, contava eu dezessete, ela
trinta. Era noite de Natal. Havendo ajustado com um vizinho irmos à missa do
galo, preferi não dormir; combinei que eu iria acordá-lo à meia-noite.
A casa em que eu estava
hospedado era a do escrivão Meneses, que fora casado, em primeiras núpcias, com
uma de minhas primas A segunda mulher, Conceição, e a mãe desta acolheram-me
bem quando vim de Mangaratiba para o Rio de Janeiro, meses antes, a estudar
preparatórios. Vivia tranquilo, naquela casa assobradada da Rua do Senado, com
os meus livros, poucas relações, alguns passeios. A família era pequena, o
escrivão, a mulher, a sogra e duas escravas. Costumes velhos. Às dez horas da
noite toda a gente estava nos quartos; às dez e meia a casa dormia. Nunca tinha
ido ao teatro, e mais de uma vez, ouvindo dizer ao Meneses que ia ao teatro,
pedi-lhe que me levasse consigo. Nessas ocasiões, a sogra fazia uma careta, e
as escravas riam à socapa; ele não respondia, vestia-se, saía e só tornava na
manhã seguinte. Mais tarde é que eu soube que o teatro era um eufemismo em
ação. Meneses trazia amores com uma senhora, separada do marido, e dormia fora
de casa uma vez por semana. Conceição padecera, a princípio, com a existência da
comborça; mas afinal, resignara-se, acostumara-se, e acabou achando que era
muito direito.
Boa Conceição!
Chamavam-lhe "a santa", e fazia jus ao título, tão facilmente
suportava os esquecimentos do marido. Em verdade, era um temperamento moderado,
sem extremos, nem grandes lágrimas, nem grandes risos. No capítulo de que trato
dava para maometana; aceitaria um harém, com as aparências salvas. Deus me
perdoe, se a julgo mal. Tudo nela era atenuado e passivo. O próprio rosto era
mediano, nem bonito nem feio. Era o que chamamos uma pessoa simpática. Não
dizia mal de ninguém, perdoava tudo. Não sabia odiar; pode ser até que não
soubesse amar.
Naquela noite de Natal
foi o escrivão ao teatro. Era pelos anos de 1861 ou 1862. Eu já devia estar em
Mangaratiba, em férias; mas fiquei até o Natal para ver "a missa do galo
na Corte". A família recolheu-se à hora do costume; eu meti-me na sala da
frente, vestido e pronto. Dali passaria ao corredor da entrada e sairia sem
acordar ninguém. Tinha três chaves a porta; uma estava com o escrivão, eu
levaria outra, a terceira ficava em casa.
— Mas, Sr. Nogueira,
que fará você todo esse tempo? pergun-tou-me a mãe de Conceição.
— Leio, D. Inácia.
Tinha comigo um
romance, Os Três Mosqueteiros, velha tradução creio do Jornal do
Comércio. Sentei-me à
mesa que havia no centro da sala, e à luz de um candeeiro de querosene,
enquanto a casa dormia, trepei ainda uma vez ao cavalo magro de D'Artagnan e fui-me
às aventuras. Dentro em pouco estava completamente ébrio de Dumas. Os minutos voavam,
ao contrário do que costumam fazer, quando são de espera; ouvi bater onze
horas, mas quase sem dar por elas, um acaso. Entretanto, um pequeno rumor que
ouvi dentro veio acordar-me da leitura. Eram uns passos no corredor que ia da
sala de visitas à de jantar; levantei a cabeça; logo depois vi assomar à porta
da sala o vulto de Conceição...”
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